quinta-feira, abril 06, 2006
Dois monólogos num debate V

O debate parlamentar da passada terça-feira dedicado ao sector da Saúde demonstrou, para quem teve paciência de o ouvir, alguns dos problemas políticos da actualidade: dois discursos diferentes sobre o mesmo tempo, um pintado de negro, outro de cor de rosa, consoante o posicionamento político de quem falava. Isso, e umas bocas do líder da bancada socialista apostado, ao que parece, em importar para os Açores o mesmo modelo discursivo do parlamento madeirense.

Estas duas visões diferentes sobre o mesmo assunto, dirão alguns, são comuns já que não é de esperar que governo e oposição concordem. É verdade, se o debate fosse feito partindo de critérios semelhantes, o que no caso do parlamento açoriano parece difícil de acontecer.

O que se ouviu terça-feira no parlamento? A oposição a tentar debater um tema e o governo (ou a bancada do PS) a divergir da discussão. Quem ouviu a discussão, nota como o parlamento ficou adoentado, em especial depois da campanha eleitoral de 2004. No PS continua a confundir-se os resultados com a campanha e continua a pensar-se, vezes demais, que o eleitorado escolheu o PS porque não gostou da campanha da coligação. Estão enganados e quem pensa assim, e age assim, só está a diminuir a vitória do próprio PS.

Quer isto dizer que, por muito que custe, os deputados socialistas e os membros do governo devem responder à oposição quando se debatem os temas que interessam à sociedade e não considerar que a oposição perdeu o direito a ter opinião na sequência dos resultados eleitorais.

Convenhamos que ouvir a área governamental iniciar a resposta a uma interpelação sobre a Saúde com os problemas do mundo moderno, com estatísticas chinesas de doenças respiratórias e com os problemas de salubridade na Índia é redutor para todos. Incluindo o próprio governo, que pelos vistos, promete colocar a região no topo dos destinos de golfe, mas prefere comparar a Saúde dos açorianos com estatísticas indianas e chinesas.

O eleitorado açoriano, que não tem culpa da campanha da coligação nem da forma como essa campanha enformou algumas mentalidades socialistas, merece um pouco mais do que isso. Merece, entre outras coisas, que o líder parlamentar dos socialistas se dê ao trabalho de levar os debates do parlamento açoriano a sério e de perceber que debate político é mais do que duas ou três piadas de gosto duvidoso.

E seria, igualmente, positivo que do lado da posição se comece a perceber que nos Açores não existe um mar de jornalistas e elementos da oposição incompetentes que passavam a vida a congeminar notícias e factos só para tentar diminuir as conquistas da Nova Autonomia. Que os jornalistas não são todos membros da oposição disfarçados e que se colocam perguntas é porque têm dúvidas, assim como diga-se, toda a oposição, do CDS ao PCP, passando pelo PSD.
O que não pode acontecer, é aquilo que se vê por aí: num dia o presidente do governo diz que está muito contente com a escolha do representante da República e que foi consultado, para na semana seguinte surgirem notícias a dizer que o presidente do governo afinal está insatisfeito com a nomeação e que estranhou muito não ter sido consultado sobre o assunto. O que não pode acontecer, é o vice-presidente do governo anunciar que não vai haver estrutura regional para a captação de investimento estrangeiro e na semana seguinte o presidente do governo anunciar que sempre vai haver estrutura e que o seu responsável até já está escolhido.
Se a resposta do executivo a uma interpelação sobre Saúde é dizer que não se tem feito muito porque o mundo é dinâmico e está sempre em mudança, que os chineses e os indianos estão piores do que nós e que vão ser feitos estudos e mais estudos para depois decidir então é de questionar se realmente existe alguma estratégia. Carlos César prometeu algumas mudanças em relação a políticas iniciadas em 1996. A Saúde bem pode ser um exemplo.

*publicado na edição de hoje do Jornal dos Açores
 
Postado por nuno mendes em 4/06/2006 |


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