segunda-feira, dezembro 05, 2005
Mitos
1 - Passaram ontem 25 anos sobre a morte de um homem que não conheci. Da queda do avião de Sá Carneiro em Camarate, além da eterna discussão sobre as causas, tenho uma vaga ideia da música clássica na RTP e dos três dias de luto nacional (leia-se, sem desenhos animados durante as tardes). Aos seis anos, no interior rural português, não há muito mais que uma criança de sete anos possa recordar.
De lá para cá, habituei-me mais ao mito do que ao homem e não posso deixar de confessar que me emocionei com a história de Snu, soberbamente narrada por Cândida Pinto no passado sábado à noite. É certo que as efemérides têm a tendência para efabular a vida das pessoas (como se a vida política de Sá Carneiro não fosse, toda ela, condenada à mitomania). Pode ser tudo verdade, mas hoje, 25 anos depois da queda do avião não podemos deixar de nos interrogar sobre o local onde estaríamos.
E onde estaria Portugal hoje se Francisco Sá Carneiro não tivesse falecido a caminho de um comício eleitoral? Não se sabe. Sá Carneiro, o D. Sebastião moderno, o político livre dos dias em que a política fervia no sangue (hoje verte nos ecrãs da televisão), da história de amor dos filmes americanos, deixou-nos o mito. E assim estamos condenados. Somos um país de mitómanos. É a única maneira de fugirmos à realidade.

2 – Anda por aí um equívoco entre a maioria dos comentadores, dos políticos e dos movimentos de pressão no sector do turismo. Tudo porque, lá está a tendência para a mitomania, se continua a acreditar que é possível transformar a região em seis ou sete destinos turísticos diferentes. O maior exemplo desta confusão vive-se na Terceira, onde se continua a acreditar que é possível ter turistas durante sete dias, sabendo-se de antemão que não há actividades para mais do que três (com alguma bonomia).
Outro dos exemplos pode ser encontrado no triângulo, onde também se continua a acreditar que o Pico e a Horta devem ser dois destinos diferentes com dois aeroportos diferentes e estratégias isoladas. Ignorando entre outras coisas, a realidade visível: os trinta minutos de ligação marítima entre as duas ilhas constituem a única possibilidade de criar no canal um mercado com uma dimensão semelhante à de S. Miguel. Isto, claro, desde que atravessar o canal não signifique deixar de ver baleias numa ilha para ter como alternativa ver baleias na outra.
A verdade, apesar de muitos não terem a coragem de o afirmar directamente, é que S. Miguel (a única ilha do mercado onde começam a despontar sinais de mercado) tem de ser o impulsionador e a locomotiva do desenvolvimento do arquipélago. Porque tem a aquilo que falta a todos os outros: população capaz de gerar mercado para servir os turistas e capacidade financeira para manter a actividade durante os meses de Inverno.
Querer hoje, aquilo que demora anos a construir e décadas a consolidar não se pode apenas exigindo do governo dinheiro, dinheiro e mais dinheiro. Os empresários não podem exigir que o governo coloque uma pistola na cabeça dos turistas e lhes diga que têm de ir visitar esta ou aquela ilha.
A presença de turistas depende, essencialmente, daquilo que se lhes tem para oferecer. Basta olhar para o mapa do arquipélago para perceber o que é que os Açores têm para lhes oferecer: S. Miguel primeiro, o Canal depois, e vários segmentos, onde se inclui Angra, Património da Humanidade.
publicado na edição de hoje do Jornal dos Açores.
 
Postado por nuno mendes em 12/05/2005 |


2 Comments:


  • 05 dezembro, 2005 11:54, Blogger JNAS

    O comment é restrito ao ponto 1.

    Acho no mínimo deselegante ver-se o fenómeno Sá Carneiro como uma mitomania ( literalmente : tendência patológica de certas pessoas para mentir ou arquitectar histórias, por vezes fabulosas, em que elas próprias acreditam, e que é reveladora de determinado estado de desequilíbrio psíquico. )

    Sá Carneiro não foi seguramente o que dele se esperava, já que um tal de Lee Rodrigues, avençado de interesses obscuros, cuidou de por termo à vida do dito.Curiosamente ontem na RTP 1 Freitas do Amaral disse que tinha trocado o lugar no Cessna para ir fazer campanha para Setúbal com o Gen. Soares Carneiro ! Como a história é fértil em desencontros desta natureza.

    Para a história Sá Carneiro fica como um homem profundamente apaixonado pela Democracia e visceralmente anticomunista...é esse o seu maior legado. Meu Caro Nuno por certo ainda recordas o poder que os comunistas detinham em Portugal mancomunados com o Conselho da Revolução...ou será que isso também é uma outra mitomania ? Consinto que comigo concordarás que não ! No combate a esse perigo comunista Sá Carneiro fundou um Partido Democrático, e mais tarde Pinto Balsemão concretizou uma das mais importantes reformas ambicionadas por Sá Carneiro : extinguir o Conselho da Revolução !

    Bem sei que o PPD/PSD já não é o que era, mas olhar para trás e ver e ouvir o magnetismo de Sá Carneiro arrastando multidões, dá uma saudade imensa !

     
  • 05 dezembro, 2005 13:58, Blogger nuno mendes

    Caro João Nuno,

    eu digo que Sá Carneiro nos deixou o mito e que a sua vida favorece a mitomania, como se pode ver por muitas das declarações que vão sendo feitas por parte de vários responsáveis políticos.
    A vida de Sá Carneiro, e o seu fim trágico, convidam à mitomania. Mesmo que o mito não tenha qualquer responsabilidade nisso.